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Adoráveis malandros
17/06/2009



Desejo do trio do espetáculo "Adoráveis malandros" é fazer apresentações no Rio



"Nossas histórias de vida são muito parecidas". É assim que começa a conversa com o trio do espetáculo “Adoráveis Malandros”. Alex, mais conhecido como Nego da Bahia, Dinho Moura e Marco Aurélio vieram de lugares diferentes, mas na sede da ONG “Se essa rua fosse minha”, em Laranjeiras, quando ainda eram adolescentes, se encontraram nas aulas de circo da instituição e anos mais tarde trabalhariam juntos e seriam os protagonistas do espetáculo que conta a história de vida deles.

O espetáculo "Adoráveis Malandros" mistura capoeira e arte circense e já teve pequenas apresentações fora do país (Argentina, Chile, França, Noruega). Dessa vez, o trio recebeu um novo convite para estreiar o espetáculo completo durante um evento sobre consciência global, na Noruega, no mês de julho.


“Na primeira viagem que fizemos à Noruega fizemos uma apresentação curta do show. Dessa vez vamos apresentar o espetáculo completo. Depois dessa viagem, nós vamos fazer algumas adaptações e queremos montar uma agenda de apresentações pelo Brasil. Quem sabe a estreia nacional não acontece na sede do “Se essa rua”, conta Dinho, que entrou para a ONG com 16 anos de idade .


Dinho escolheu o circo ao crime

“Eu era bolsista de um clube perto da minha casa, no Morro do Amor, Complexo do Lins, e fazia aula de capoeira. Para melhorar as minhas habilidades entrei para o “Se essa rua” e comecei a fazer aula de circo".

Marco Aurélio, na época com 17 anos, morador do Morro da Formiga, entrou para a turma logo depois. “As aulas eram dadas pela Intrépida Trupe e pelo Teatro dos Anônimos. Chegamos a ter 16 pessoas na trupe, mas algumas parcerias não se renovaram e as aulas tiveram que ser interrompidas. Nessa época surgiu a vontade de fazer um grupo para representar o projeto”, relembra.

Atualmente, os três trabalham no “Se essa rua” como professores das aulas de circo e também ajudam na implantação do projeto em comunidades do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense.

“Nós acompanhamos a conversa inicial com a comunidade que quer implantar as aulas de circo, damos aulas e oficinas para os jovens da própria localidade, já que esses adolescentes serão os monitores daquele núcleo. Nós temos que trabalhar a autonomia daquela comunidade, como fizemos, por exemplo, no Circo Baixada e na Vila do João”, explica Marco.


Vidas cruzadas

Marco era considerado por muitos, o sucessor de seu pai no tráfico de drogas do morro. “Aos 12 anos sai do morro com o meu pai, voltei aos 15 e entrei para o tráfico. A comunidade queria que eu tomasse o lugar dele. Acabei entrando para o tráfico de drogas, mas sai do tráfico e do morro e por um tempo morei nas ruas, onde tive a oportunidade de conhecer o "Se essa rua fosse minha”.


Marco era considerado sucessor do pai no tráfico

A vontade de sair do morro fez com que Marco Aurélio saísse de casa aos 17 anos. “Eu tinha que sair dali, mas não tinha um objetivo. A minha certeza era de que seria algo passageiro, porque nunca quis ser morador de rua. Foi nas ruas que vi coisas que nunca mais vou esquecer: pessoas com potencial, mas que não tinham mais forças para correr atrás de alguma coisa e vi artistas que se perderam nas drogas”.

Essas experiências que Marco passou foram, segundo ele, fundamentais para trabalhar com os jovens. “Eu não me arrependo de nada do que passei, porque foi isso que me tornou o que sou hoje. Além disso, por ter passado por essas coisas, eu sei como lidar com os jovens”, completa.

Como a frase que abre essa matéria, “nossas vidas são muito parecidas”, a história de Marco Aurélio tem alguns pontos em comum com a de Nego da Bahia. Seu nome Alex, quase ninguém sabe, o sotaque e o jeito baiano de Itabuna, o diferenciavam dos meninos cariocas que também andavam nas ruas, então era o Nego da Bahia.


“Eu fugi de casa aos sete anos de idade. Depois que meu padrasto morreu, a minha vida e a da minha família ficou mais difícil. Eu era aquele menino barrigudinho, com verme e mais seis irmãos. Minha mãe batia muito na gente e em uma dessas surras eu resolvi sair de casa”. Assim como Marco, a ideia de Nego da Bahia era voltar alguns dias depois. Acabou conhecendo uma pessoa que o levou para o Rio de Janeiro.


Nego saiu da Bahia aos sete anos de idade

“Durante um tempo, morei pelas ruas da Bahia. Cometia pequenos furtos e acabei me viciando em cola. Eu conheci uma mulher que se prostituía para viver e que tinha levado um menino para o Rio. Ela disse que me levaria também e foi o que aconteceu. Fiquei um tempo morando com ela, mas depois fui morar sozinho nas ruas”, relembra.

A marquise da igreja da Candelária, as ruas de Copacabana e a Praça 15 foram alguns lugares por onde Nego perambulava. “Nesses locais eu aprendi as artimanhas. Era um mundo completamente diferente daquele que eu deixei na Bahia”. Foi em Copacabana que Nego conheceu o “Se essa rua” e as coisas começaram a mudar.

“No início, eu não queria saber daquilo. Só me interessava pela comida que a kombi do projeto distribuía. Nem mesmo as apresentações teatrais me faziam rir. Como que um menino que roubava e corria da polícia, com os pés sujos e o cabelo grande, podia se divertir com aquilo?”.
O trabalho de abordagem é que convenceu Nego a ir até à sede do “Se essa rua”, onde encontrou alguns colegas da rua e um clima bem diferente daquele que estava acostumado.

“A rotina de lá era muito legal. A gente tinha café da manhã e atividades até o fechamento da casa. Lá eu tive contato com aulas de teatro, desenho, e a que mais me cativou, o circo”.
Aos 16 anos, o empenho daquele menino, que ia todos os dias participar das aulas, foi compensado com o convite para participar da Escola Nacional de Circo, onde ficou por quatro anos.

Como ainda não tinha um lugar para morar foi encaminhado para a Casa da Vila, onde dormia. No “Se essa rua”, Nego também teve aula de alfabetização e conseguiu uma vaga para estudar no CIEP Tancredo Neves.

Espetáculo "Adoráveis malandros" alia capoeira e arte circense


Ficou até os 18 anos na Casa da Vila, quando foi encaminhado para o projeto Escola, onde quatro pessoas dividem uma casa. Ficou lá até 2001 quando comprou um terreninho debaixo de um viaduto.

“Hoje, eu tenho a minha casa na Mangueira e moro com a minha esposa e os meus filhos. Acordo cedo, levo para a escola e a creche. Graças a Deus eu posso dar um lar a eles. Sei que quando saio para trabalhar, eles estão com a cabeça no travesseiro e debaixo de um teto”.

Nego da Bahia se sustenta exclusivamente do circo e acha que é uma importante forma de atrair mais jovens. “O circo é muito atraente, sedutor, porque lida com o corpo e a superação de obstáculos. Funciona até mesmo com os adultos, porque naquele momento ele está livre dos padrões”, explica Nego.

Para Dinho Moura, a mudança ocorre também para quem trabalha com o circo e com esses jovens. “Nesse trabalho que a gente desenvolve, o engraçado se torna especial, se torna artista e mais do que isso, se torna um artista técnico com possibilidade de mudanças”. Dinho teve um irmão, envolvido com o tráfico de drogas, morto pela polícia e no caso dele houve uma escolha em seguir ou não o caminho do crime.

“Eu queria fazer diferente de tudo aquilo, por isso entrei para a capoeira”, conta Dinho, que está casado e tem dois filhos. Morador do Morro Azul, Dinho acha que a entrada de jovens para o tráfico de drogas, é a falta de opção. “Eles não têm oportunidade, alguns vivem em comunidades que não têm nada e são os projetos sociais que tapam o buraco deixado pelo poder público. Aliado a isso há uma desestrutura familiar e o desejo do poder”.

Juntos há sete anos, esses três “adoráveis malandros” quiseram juntar essas histórias e montaram o espetáculo. “Nós queremos contar a nossa própria história e como usamos a malandragem para chegar até onde chegamos. Hoje, os meus filhos abrem a geladeira e têm o que comer”, observa Dinho.